domingo, 7 de dezembro de 2014

A Dança



Dança a tua valsa nos meus cabelos
e permite que as almas se entrelacem,
sem limites nem cadeias.
Ah que anseio de coração,
este ressuscitar
do Amor que detém a minha alma.
Desse uivo sobreposto
ao clamor do vento em noites de tempestade,
desse sussurro do Espírito
mavioso como vozes de anjos em coro celestial...
Afago-te o rosto distante
com os olhos postos nas silhuetas que dançam também
através dos teus olhos...
jogos de luz e sombra que ensinam
a ilusão do céu como um génio da lâmpada
que brilha só de vez em quando,
como se fossem irmãos, a Lua e o Sonho
cujo feitiço se mantém na noite escura.
Mas a dança continua,
num movimento de mentes e corações
queimando a alma e os sentidos
até ao vácuo absoluto
onde a caneta goteja
e o poeta só tem sede...


SLL

sábado, 29 de novembro de 2014

Som do Silêncio




Que cansaço estranho este que me invade
enquanto a noite cai
e a lua segue o seu rumo no céu infinito.
No silêncio dos sonhos,
vagueiam lobos uivando ao sabor da brisa
e a natureza canta melodias que nos abraçam e envolvem.

Mas este cansaço, esta estranha fadiga
que me deixa apática até perante os sonhos,
que me acompanha a cada passo que dou
a cada palavra que não digo...
ah, se eu soubesse,
se eu soubesse o seu nome...
para ter a certeza da sua partida!

Seguro hoje nas mãos, palavras vindas
de pensamentos quebrados
e desejos incompletos...

Só o Amor me permite Ser:
o Alfa e o Ómega.

O princípio e o fim do infinito,
sem manual de instruções....
o uivo dos lobos,
o som do silêncio,
as letras misturadas de um poema
o coração apertado...
e a noite que não tem fim.


SLL

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Ensaio sobre a paz roubada

Não é possível, no cômputo geral dos factos, deixar este texto passar em branco sem o trazer para reflexão.... não é de minha autoria, mas podia tê-lo escrito, no entanto nunca tão bem. E sofre este jovem de 32 anos pelos mesmos sentimentos e cansaço de uma mulher de 41, com 10,000 a pesar-me na alma? Sim... é sentido. E espelhado.



Após uma longa ausência, quem sabe mais prolongada do que o esperado, regresso à escrita com a serenidade de um Pai que esteve longe do seu filho primogénito para seu próprio bem.
Apesar de mais esgotado do que nunca, a ânsia de esvaziar o pensamento trouxe-me aqui…

Recomeço com o cansaço marcado no rosto e a desilusão na alma.
Hoje, enquanto escrevo este texto, o vento trouxe-me uma necessidade absoluta de mudança. Virou.
Cansei de caminhar na direcção contrária e de arrastar comigo um peso que não é meu.
Cansei de procurar e fazer força.
Abro a mão, liberto os pés e deixo o vento levar-me para onde a Vida quer.
O único peso que carrego nas minhas costas, é a minha sombra. Essa que faz parte de mim e se mostra quando o sol está radiante, e me apoia, bem cá dentro, quando escurece.
Não posso carregar mais porque não consigo.
A minha responsabilidade pelo que poderia ter sido e não foi é zero quando atrás de um Universo de aparências há loucura e destruição.

Em algum momento da minha Vida devo ter sido amaldiçoado porque, não raramente, as pessoas que mais me dizem amar são as que rapidamente se tornam minhas inimigas e me odeiam com uma força destruidora.
Não duvido que me odeiem porque são incapazes de ver a sua imagem refletida no meu rosto.
Eu sou o espelho do que as pessoas realmente são porque não guardo nada para mim.
Sinto uma necessidade louca de dizer, transpor em palavras o que sinto. Sem fugir.
Não fujo de qualquer debate, discussão ou confronto.
Não devo nada a ninguém, e nunca fizeram por mim o que tento, tantas vezes, fazer por terceiros.
Não sou condescendente porque sei quanto custa viver.
Sei mais do que deveria e aprendi antes mesmo de falar, andar ou escrever.

O mundo é um lugar estranho. Ao invés de as pessoas se adorarem, fazerem amor, abdicarem um pouco de si, vivemos numa época em que o umbigo e o ego de cada um são maiores que o planeta em que vivemos.

Não há espaço, não há margem ou rio que não transborde de arrogância.

Há muito queria ter força para mudar algumas coisas, mas hoje aprendi que o cansaço também é capaz de trazer contida um resto de esperança. Pelo cansaço se sente o palpitar de uma mudança, pela força de viver se consegue.

Ando cansado como nunca estive nos meus 32 anos. É muita coisa ao mesmo tempo, pouco tempo para absorver, muita confusão na minha cabeça e uma enorme lista de coisas para resolver.
Sempre fui uma pessoa de resolver. Não faz parte de mim a indefinição de um tempo que não se cumpre.

Eu não vivo de mentiras, promessas quebradas ou juras enganadoras. Sempre me entristece qualquer desses acontecimentos.
Ora, se eu não falto à minha palavra, se eu não quebro as minhas promessas, nem juro algo para daí a 2 ou 3 dias falhar, porque tenho de me sujeitar a ultrapassar questões que não coloco?

O mundo está, de dia para dia, a tornar-se um lugar muito estranho para mim. Já não me chega o isolamento.
A maldade sempre acha caminho.
A arrogância, sempre passa por entre as grades.
O egoísmo, sempre desperta com o meu sucesso.

Estou cansado como nunca estive e só isso me impede de sair pela cidade e espairecer um pouco.
A tristeza existe não porque mereça directamente, mas porque indirectamente a deixei entrar na minha vida e permanecer.
Enquanto escrevia este texto o vento trouxe-me uma vontade terrível de mudar.
Talvez deitar-me ajude um pouco. Mesmo que não durma saberei sempre que o corpo está em paz com a cabeça.

Bastava me deixarem, e quererem, e eu seria muito feliz.
Um dia entenderei o que tanto procuram estes guerreiros do vazio. O que defendem?

A honra de Nada?
Os seus próprios interesses, acima dos interesses gerais?
A sua alegria?
A sua felicidade?
Não me parece.

Acho que apenas não querem, e não querendo, não conseguem viver em paz.
O pior é que com isso roubam a paz de quem precisa disso para descansar finalmente…

https://fuinhosantos.wordpress.com/

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Livre!!!



Livre, livre, livre
como o ar que vai e que volta
cada dia, um desafio, cada segundo, aprendizagem
cada gesto, um gesto de Amor...
Como seria belo o mundo
se em vez de mesquinhez, azedume e vinganças,
a palavra de ordem fosse a PAZ
não a paz do dicionário
a paz profunda que vem de uma consciência lavada pelo orvalho matinal
e que provém do âmago intocável do SER
a paz que advém do AMOR.
Livre, livre, livre...
como um pássaro que voa, em perfeita harmonia
como alguém que luta sem desistir
porque assim o deseja.
Quão livre é o Amor? a Paz? a Confiança?
Tão livres como o coração de quem os possui.
Sempre e para sempre.


SLL

domingo, 12 de outubro de 2014

Nuvens



Ah, a poesia,
esse imaginário colorido.
Espírito de pensamentos e palavras
fluidas e harmónicas
em sinfonia presente de sentimentos.
Neste entrelaçar
das cordas formadas pelos meus traços no papel,
se formam as métricas desmedidas
e as rimas que não existem
a não ser nas minhas próprias melodias.
Dia após dia, vou tecendo esses fios
para obter a força
que sinto necessária...
mas o vazio resultante
da firmeza e do rigor,
acusa o cansaço extremo
dos sentidos.
Nesta maré que flui,
nesse entrelaçar de nós e de emoções,
completa-se a estrutura
de uma vida plena...
de uma vida vazia...
assim, quando eu partir,
que seja como as flores, que adormecem
e caem, pétala a pétala.
Ou talvez como uma nuvem
que, ao afastar-se
deixe atrás de si um rasto de fiapos brilhantes
que caem do céu, como chuva ligeira
e suavemente, em forma de beijos,
desçam com ternura sobre os teus cabelos...

SLL

sábado, 11 de outubro de 2014

Ausência



Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces 
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente,
a tua voz ausente,
a tua voz serenizada.


Vinicius de Moraes.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Monólogo



Fala a Dama do Lago:

Dizem que os velhos dormem pouco devido à proximidade do descanso eterno, a mim, não é isso que me aflige. 
Aqui estou há milhares de anos e outros tantos passarei... Mas sim: estou velha e cansada. Tanto menos por mim como por sentir na alma a dor do mundo que aos meus olhos se desvanece. 
Assim, ergui-me das águas para contemplar a noite na beira do lago. 

E áquela hora brumosa entre a noite e o alvorecer, quando as folhas tremem com a brisa suave e os pássaros anunciam um novo dia, um raio de sol perpassou a superficie serena que havia deixado e entrevi o brilho da espada por entre as águas. 
Vi tudo de novo nesse clarão... As eras passadas e o porvir, civilizações destruidas, esquecidas, por destruir e esquecer... 
Voltei a sentir a mão segurar no punho da espada das estrelas quando foi lançada de novo a casa, enquanto aguarda um novo rei digno de lha entregar. 

Por detrás do escudo do nevoeiro, a verdade perdura, embora o Homem pareça empenhado em escondê-la... Que estranho sentir lágrimas correr numa face já feita de água... 
Ou serão as lagrimas de tantas dores que formaram o meu lago e a mim também? 
Ah, se eu ao menos pudesse... 
O que foi feito pelos Homens quase condenou o meu mundo e com ele toda a magia que encerra... Mas a habilidade de um alquimista e a magia de uma sacerdotisa poderão recuperar o que se perdeu, se a Senhora da Forja pegar no seu martelo uma outra vez. 

A esperança não morre...

SLL

Ser



Tu és...
e porque tu És, eu Sou...
porque tu És e eu Sou, Somos....
pela eternidade...

SLL

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Livro dos Amantes



I

Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.

Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.

E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.

II

Harmonioso vulto que em mim se dilui.
Tu és o poema
e és a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
não compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido.

III

Príncipe secreto da aventura
em meus olhos um dia começada e finita.
Onda de amargura numa água tranquila.
Flor insegura enlaçada no vento que a suporta.
Pássaro esquivo em meus ombros de aragem
reacendendo em cadência e em passagem
a lua que trazia e que apagou.

IV

Dá-me a tua mão por cima das horas.
Quero-te conciso.
Adão depois do paraíso
errando mais nítido à distância
onde te exalto porque te demoras.

V

Toma o meu corpo transparente
no que ultrapassa tua exigência taciturna
Dou-me arrepiando em tua face
uma aragem nocturna.

Vem contemplar nos meus olhos de vidente
a morte que procuras
nos braços que te possuem para além de ter-te.

Toma-me nesta pureza com ângulos de tragédia.
Fica naquele gosto a sangue
que tem por vezes a boca da inocência.

VI

Aumentámos a vida com palavras
água a correr num fundo tão vazio.
As vidas são histórias aumentadas.
Há que ser rio.

Passámos tanta vez naquela estrada
talvez a curva onde se ilude o mundo.
O amor é ser-se dono e não ter nada.
Mas pede tudo.

VII

Tu pedes-me a noção de ser concreta
num sorriso num gesto no que abstrai
a minha exactidão em estar repleta
do que mais fica quando de mim vai.

Tu pedes-me uma parcela de certeza
um desmentido do meu ser virtual
livre no resultado de pureza
da soma do meu bem e do meu mal.

Deixa-me assim ficar. E tu comigo
sem tempo na viagem de entender
o que persigo quando te persigo.

Deixa-me assim ficar no que consente
a minha alma no gosto de reter-te
essencial. Onde quer que te invente.

VIII

Eis-me sem explicações
crucificada em amor:
a boca o fruto e o sabor.

IX

Pusemos tanto azul nessa distância
ancorada em incerta claridade
e ficamos nas paredes do vento
a escorrer para tudo o que ele invade.

Pusemos tantas flores nas horas breves
que secam folhas nas árvores dos dedos.
E ficámos cingidos nas estátuas
a morder-nos na carne dum segredo.

Natália Correia, in "Poemas (1955)"

Deusa Guerreira


Nela reside a alma da guerreira,
da Deusa, da mulher...
aquela que mesmo na dor,
acredita e não desiste.
A santa e a pecadora,
a virgem e a mãe.
Desnuda o corpo,
desvela a alma,
abre o coração,
sente a música das esferas,
escuta o vento...
segue o som das melodias que apenas ela pode ouvir.
Dança sempre:
à chuva, ao sol,
no fogo.
Pelo fogo que em si reside.
Ela é a chama que arde.
as ondas que batem na rocha.
o vento que levanta o cabelo.
a terra sólida em que se sustenta.
Acolhe os sentimentos,
cultiva lealdades,
chora em silêncio, por trás da sua armadura
e sorri para o mundo e para a vida...
canta alto o seu coração,
transforma sonhos em realidades,
desafia transitoriedades,
desafia a própria morte
porque renasce em si mesma:
cada vez mais forte
cada dia mais tenaz.
E prevalece.
Mesmo em silêncio
faz ouvir aos mundos os seus hinos,
céus e terra ouvirão seus chamamentos...
SLL

Acção



Agir não fazendo
Nada! 
Prefiro querer o nada 
Do que nada querer! 
Falar com todo este 
Silêncio! 
Mexer-me sem o corpo 
Mover! 
Olhar o pôr do sol 
E aquecer o ânimo 
Cheirar o imenso mar 
E inundar a alma 
Sentir o vento no rosto
A acariciar-me as faces 
Como a vida é bela 
Sem que para isso nada 
Façamos! 
Quer queiras quer não 
É esta também a minha actuação!

Faze Araújo

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Sonhos



Vive a tua verdade sem abrir mão dos teus sonhos
sem perder a tua magia
todos nós somos magos
arquitectos do nosso universo pessoal
no fundo
os anseios de coração, são escutados
pelas forças supremas que regem o universo
e ao sonharmos
indicamos a direcção que desejamos seguir
em outros planos
começam a traçar-se as linhas dos nossos sonhos
cabe-nos plasmá-las na realidade diária
vivendo como sonhamos.
Há algo que nada nem ninguém nos pode tirar:
a possibilidade de fechar os olhos e voar
com a alma leve e ligeira
para mundos que apenas nós conhecemos,
para sítios por nós criados,
para diálogos ansiados...


Vive a tua verdade sem abrir mão dos teus sonhos
porque "o sonho comanda a vida"
escuta o teu coração
silencia a tua mente
e deixa que flua a vida que tens em ti.
Somos co-criadores da realidade em que vivemos,
aprendamos a moldá-la
Quanto mais te elevas, sonhando
mais alto voarás.

Não te esqueças
que és um Filho do Universo.


SLL

Foto de Sara Lourenço

sábado, 30 de agosto de 2014




Limpei o pó
Pó que já foi vida
Vida que quero ter contigo
Contigo me sinto no céu
Céu o que temos por limite
Limite o que nos torna ilimitados
Ilimitados neste nosso sentir
Sentir com todos os poros do corpo
Corpo cheio de alma
Alma deste nosso viver
Viver contigo o meu sonho
Sonho partilhado a dois
Dois este número par
Par que formamos nós
Nós de amor eterno
Eterno será nosso pó.


Fazé Araújo

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Entenda quem Puder



Não deixes que te reprimam, mulher!
Tu sentes o mesmo desejo
que eles tomam para si, como lícito.
E chamam-nos prostitutas, por este facto...
não é agir como um animal,
nem buscar apenas sexo.
É amar com naturalidade.
Com a intensidade do encontro...
é mostrar o amor que sentimos.
É amor e é desejo.
mas jamais submissão
obrigação ou conforto
dos depravados
que apenas revelam a satisfação do instinto.
O que trazemos connosco é mais elevado,
mais forte que apenas pó, de almas submissas e limitadas.
Mulher, ergue a tua alma!
Fá-lo por ti e para honrar aquelas que já o fizeram antes.
Tu podes brilhar da mesma forma, ou mais ainda,
com o complemento perfeito.
Toma tu as rédeas
controla o teu coração:
como bombeia, ao palpitar no ritmo da ilusão.
É a fé que todos transportamos
colhida pela igreja injusta.
Tu não és menos, quando muito, igual...
....que entenda... quem possa entender.


Mariam Barid

Pérolas



Sinto-te mais completamente em noites de tempestade intensa
em que a calma do teu coração me abraça
e as nossas almas se fundem e submergem nas estrelas...

abraços aleatórios e beijos à deriva em mares mais profundos
em que o toque ardente dos teus olhos
contrasta com a suavidade das tuas mãos.

É nessas palavras silenciosas, expressas em acções
que reside toda a simplicidade do perfeito Amor,
sincronicidade divina enquanto me beijas a boca
e desvendo-te o meu corpo como pérolas de cetim vermelho...

SLL

Pão



Trigo feito sustento 
Espiga feita corpo 
Da terra para o fogo 
Forno intirnista 
No calor da chama 
Centelhas de existência 
Sustentável e infindável 
Farelos de paixão 
Viver esses instantes 
Como migalhas de pão 
Desta vida de amor 
Mais do que côdea 
Amolecida pelas lágrimas
Quero saborear 
O miolo 
Da essência!

Faze Araújo

terça-feira, 26 de agosto de 2014

A Palavra



...Tudo o que você quiser, sim senhor, mas são as palavras que cantam, que sobem e descem...
Prosterno-me diante delas... 
Amo-as, abraço-as, persigo-as, mordo-as, derreto-as... 
Amo tanto as palavras... 
As inesperadas... 
As que glutonamente se amontoam, se espreitam, até que de súbito caem... 
Vocábulos amados... 
Brilham como pedras de cores, saltam como irisados peixes, são espuma, fio, metal, orvalho... 
Persigo algumas palavras... São tão belas que quero pô-las a todas no meu poema... 
Agarro-as em voo, quando andam a adejar, e caço-as, limpo-as, descasco-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas... 
E então revolvo-as, agito-as, bebo-as, trago-as, trituro-as, alindo-as, liberto-as... 

Deixo-as como estalactites no meu poema, como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes das ondas... 
Tudo está na palavra... 

Uma ideia inteira altera-se porque uma palavra mudou de lugar, ou porque outra se sentou como um reizinho dentro de uma frase que não a esperava, nas que lhe obedeceu... 
Elas têm sombra, transparência, peso, penas, pêlos, têm de tudo quanto se lhes foi agregando de tanto rolar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto serem raízes... 
São antiquíssimas e recentíssimas... 
Vivem no féretro escondido e na flor que desponta... 
Que bom idioma o meu, que boa língua herdámos dos torvos conquistadores... 
Andavam a passo largo pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas, em busca de batatas, chouriços, feijões, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele voraz apetite que nunca mais se viu no mundo... 
Tudo engoliam, juntamente com as religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que traziam nas grandes bolsas... 
Por onde passavam ficava arrasada a terra... 
Mas aos bárbaros caíam das-botas, das barbas, dos elmos, das ferraduras, como pedrinhas, as palavras luminosas que ficaram aqui, resplandecentes... o idioma. 

Ficámos a perder... 
Ficámos a ganhar... 
Levaram o ouro e deixaram-nos o ouro... 
Levaram tudo e deixaram-nos tudo... 
Deixaram-nos as palavras.

Pablo Neruda

Pensamentos



Nesta manhã cheira a orvalho e a terra húmida, sentem-se aqui e ali os aromas mais puros da vida...

Apenas as aves quebram o silêncio com as suas vozes musicais e maviosas... e saio para conversar com elas de um modo que apenas eu e elas conhecemos.

As nuvens, na sua eterna dança, movem-se lentamente e a brisa leva consigo as palavras do meu coração.

Nela te sopro um beijo e um afago. Onde quer que estejas, encontrar-te-à.

SLL

A Inveja não tem Passado



Ainda não tendes advertido, que a inveja faz grande diferença dos mortos aos vivos, e dos presentes aos passados?

Os olhos da inveja são como os do Sacerdote Heli, dos quais diz o Texto sagrado, que não podiam ver a luz do Templo, senão depois que se apagava: 
Oculi ejus caligaverant, nec poterat videre lucernam Dei, antequam extingueretur. 

Enquanto as luzes são vivas, cada reflexo delas é um raio, que cega os olhos da inveja: porém depois que elas se apagaram, e muito mais se se metem largos anos em meio, então abre a inveja, como ave nocturna, os olhos; então vê o que não podia ver: 
então venera e celebra essas mesmas luzes, e levanta sobre as Estrelas seus resplendores. 

Por isso disse com grande juízo S. Zeno Veronense, que todo o invejoso é inimigo dos presentes, e amigo dos passados: 
In omnibus se inimicum praesentium servat, amicum vero pereuntium. 

Os mesmos que agora amam, e veneram tanto (...), se viveram em seu tempo, o haviam de aborrecer e perseguir; e as mesmas maravilhas, que tanto celebram e encarecem, se foram obradas na sua Pátria, as haviam de escurecer e aniquilar.

António Vieira

Substância



Entre nós, não há palavras
nem promessas a manter
nem mentiras no que
hoje de noite murmuramos em surdina
apenas toques
suaves e macios
ternos e cálidos
doce rendição num singelo suspiro
início de combustão nas chamas do Amor Perfeito
que se consuma
e se estende além do mais infinito
brotam lágrimas na pura alegria
de tanta intensidade
como sabes que te sinto
além do tempo e do espaço
além de quaisquer fronteiras
além de qualquer corpo
além de ti
e de mim também....

SLL

Vida



Três votos fará aquele
que não ser tolo decida
e venha deles primeiro
o de obediência à vida

será o segundo a vir
o de não querer ser rico
o muito passe de largo
o pouco lhe apure o bico

não violar-se a si próprio
como principal o veja
alto ou baixo gordo ou magro
assim nasceu assim seja.

Agostinho da Silva

Sempre



Sê Luz, sê sombra
sê aquilo que for necessário
entrega-te ao Universo porque há muito a fazer...
fortalece-te e intensifica-te
vive e faz viver

Faz do teu coração porto seguro
onde os barcos não receiem acostar

Faz da tua alma protecção
da tua vida, uma chama
dos teus sentimentos, um vulcão

Ama... ama intensamente
Sempre

Para sempre...

SLL

Caravelas



Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.

Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!

Se eu sempre fui assim este Mar-Morto,
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram.

Caravelas doiradas a bailar...
Ai, quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!...

Florbela Espanca

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Quem Sou?



QUEM SOU 
De onde venho? 
Por baixo da pele me encontro 
Fora dela existo 
Alma e corpo 
Pensamentos e ações 
Humano e único 
Ou somatório de vários 
Sou rosto e voz 
Á procura de mim 

Quem sou eu afinal? 
Hoje sou o sítio que me considero 
No silêncio me invento 
Na multidão me consumo 
Consciência meu labirinto 
Mar oco de certas 
Dimensões que ultrapasso 
Durar para além dos momentos 
Neste cabimento dos vivos 

Mesmo andando às apalpadelas 
Estou preso a esta terra 
Mas ainda estranho a ela 
Sinto que por vezes 
Não caibo neste mundo 
Onde me quero encontrar 
Antes de assentar o pó!

Faze Araújo

Galáxias



Em entrega absoluta,
entrelaçam-se os corpos
quentes e húmidos
na doce carícia do luar
e das minhas mãos nas tuas...
Deixa-me encher o teu mundo de paz
sublime e extática.

Doce felicidade erótica
suspensa por um beijo, um afago, um olhar...
nesta plenitude,
onde a brisa nos levanta os cabelos
elevam-se os corações abertos ao infinito
onde não há tempo nem lugar.

Amor sem limites, sem fronteiras
onde a mais bela melodia
nos preenche os sentidos,
música em movimento
ao sabor das marés e das folhas das árvores
ao sabor do fogo que nos preenche
e nos expande...

Enche a minha noite com delícias
e palavras sussurradas.

Entra comigo nas chamas que dançam,
que libertam e purificam
e transformaremos cada faúlha numa centelha...

Quando dois corpos se unem
e se transmutam
na Unidade perfeita da comunhão de almas
nasce uma nova galáxia....

SLL

sábado, 23 de agosto de 2014

A Palavra Impossível


Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim
A vida que não se troca por palavras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
As vozes que só em mim são verdadeiras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
A impossível palavra da verdade.

Deram-me o silêncio como uma palavra impossível,
Nua e clara como o fulgor duma lâmina invencível,
Para eu guardar dentro de mim,
Para eu ignorar dentro de mim
A única palavra sem disfarce -
A Palavra que nunca se profere.

Adolfo Casais Monteiro

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Lisboa Revisitada



NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!


Álvaro de Campos

Epifania



...A meio das escadas mudou de rumo e embrenhou-se pelo bosque, mais fresco e mais sombrio.
ansiava pelo contacto com a natureza, com a terra e as árvores
deitada no chão seco e forrado de folhagens, apreciava a sombra, de olhos fechados
e dos seus lábios saíram uma, duas, três palavras...
... uma sequência de frases murmuradas que nem ela sabia que queria dizer.
Abrindo os braços, ali permaneceu, simplesmente respirando, sentingo a terra ao longo do seu corpo e murmurando uma litania
até que uma luz radiosa e branca a cobre como um manto
Sente a energia fluir livemente por todos os poros da sua pele
e o fresco da sombra torna-se um calor intenso
não se move, deixa que flua
e o seu coração explode nesse calor branco e belo, em ondas concêntricas de energia emanada para o mundo
cálida e amorosa, quente e acalentadora,
enquanto os rostos de pessoas amadas sorringo, desfilam ante os seus olhos fechados
sem se aperceber bem, também lhes sorri.
Quando se dá conta, nota que seria impossível o brilho do sol atingi-la naquele ponto, daquele modo
e abre os olhos...
só tem tempo de agradecer aquele momento, que de súbito se desvanece, e a paisagem volta a ser o que era antes.
Levantando-se, ainda com um vago sorriso nos lábios, encaminha-se para a descida prometendo voltar em breve.

SLL

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Simplesmente Assim



Mãos que buscam no silêncio
lábios que se tocam, intermitentes...
sentidos que se ampliam e se projectam,
nos corpos orvalhados, incandescentes.

Olhos que vêem no escuro,
dedos se entrelaçam febrilmente.
laços que se envolvem, perduram...
corações que batem, permanentes.

Almas-afins, gémeas, irmãs
pulsando num mesmo diapasão,
dançando numa mesma melodia,
que envolve notas suaves de paixão.

Calma que invade os sentidos
enquanto que o amor flui livremente
e quando chega, por fim, o sorriso,
do céu chove doçura, suavemente....

SLL

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Afrodite



Uma deusa fez a sua morada
em labirintos místicos e rítmicos
nos subterrâneos mais profundos
do teu ser.

Com um simples estalar de dedos,
cantam os anjos um romance erótico
cujos poderes são únicos
e intransmissíveis.

A música da sua lira, encanta,
as suas palavras curam
e o seu silêncio conforta...

Mas quem será esta Mulher,
guardiã da poesia pura
em cuja história se mistura a dor e o Amor em partes iguais?

É preciso descer à terra para tocar os céus...
e ceder ao fascínio dos seus olhos
eternamente enamorados...

SLL

Labaredas


És tu... esta mulher.

Fogo que é, fogo que será sempre
labaredas purificadoras
ardendo de amor puro e límpido como cristal.

Deusa infinita que transcende os mundos
o espaço e o tempo,
que te transcendes a ti mesma
e nem sabes bem como...

és aquela que faz palpitar os corpos e os corações
e transformas o teu corpo em puro êxtase incondicional
pleno e absoluto

és aquela cujo coração arde em regeneração
e curas, e dás a vida, ressuscitas...

Além do tempo e do espaço
além de ti...
e de mim.

SLL

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Doçura



Lança para longe o que te impuseram e não abraces nada mais do que desejares.
O Amor é livre. Liberta-o. Assume-o.

Prova dos lábios como se comem morangos maduros e doces... ah, encanta-me comer de teus lábios e fazer do teu corpo o meu até que não haja princípio nem fim....

SLL

terça-feira, 29 de julho de 2014

Mulher



Sê, tu que podes Ser...
tudo aquilo que quiseres.
Abre as tuas mãos em prece,
escuta o vento que brinca com os teus cabelos
que beija os teus lábios...
brinca com ele,
persegue-o e esconde-te...
deixa que Ele te encontre
e entrega-te.
Sê tu, que podes Ser... Eterna
Invencível e Sagrada...
lê as tuas próprias páginas
escritas a negro em folhas rubras de paixão
ou rosa pálido, de doçura.
Saboreia as cores que vês e os aromas que sentes,
toca a tua imaginação.
Abre as tuas arcas e deixa sair o que está preso.
Quem sabe por quanto tempo...
mas Sê...
Sê tu, que podes ser...
Mulher!

SLL

domingo, 13 de julho de 2014

Floresta



Numa estrada longa e tranquila, caminho sem saber porquê nem para onde.
Basta-me o verde da folhagem, a terra debaixo dos pés
o aroma quente e doce de verão
os raios de sol, que, fugidios, penetram pelas densas copas que me rodeiam...

A minha mente divaga, serenamente e ouço a linguagem dos pássaros
a mesma que falam os anjos e o meu coração.

Nada questiono, nada respondo, escuto apenas
e caminho
cada vez mais lentamente, para que não se dissolva o sonho

Quero saborear o verde e o azul
os raios de sol e os tons terrosos

Quero ouvir o canto das aves e o marulhar do lago que está perto...
mas quero, sobretudo,
deixar a minha alma voar livre pelo meio da folhagem, e até ao infinito...

SLL

Foto de Sara Lourenço

Teias



A aranha do meu destino
Faz teias de eu não pensar
Não soube o que era em menino,
Sou adulto sem o achar.
É que a teia, de espalhada
Apanhou-me o querer ir...
Sou uma vida baloiçada
Na consciência de existir.
A aranha da minha sorte
Faz teia de muro a muro
Sou presa do meu suporte.

Fernando Pessoa

Tela de Luís Paredes

sábado, 28 de junho de 2014

Dores



— Dói-te alguma coisa?
— Dói-me a vida, doutor.
— E o que fazes quando te assaltam essas dores?
— O que melhor sei fazer, excelência.
— E o que é?
— É sonhar.


Mia Couto

A Ave



Apesar dos fardos que carregava consigo, ela só queria voar, voar apenas, num mundo em que a realidade se lhe afigura estranha e desconhecida.
Numa simples folha de árvore, escreveu os seus desejos, esperando que se transformassem em borboletas e pudessem fluir neste mundo cru e incerto.
Só queria a liberdade. A sua e a de todas as outras aves que sempre quiseram voar e a quem cortaram as asas, friamente, sem anestesia.
Era um sonho de vôo divino mas inibido para aquela ave, por isso, transformou a sua folha de desejos em crisálidas, dentro das quais colocou a sua alma... e esperou.
Esperou até que se metamorfoseassem e pudessem assim elas voar sozinhas até ao infinito, onde um deus qualquer os pudesse ler e, quem sabe, se compadecesse...
mas só encontrou o azul. Azul de paleta de artista, e então pintou um quadro na força das suas emoções. Uma tela de melodia única que só pode ouvir quem compreende...
Sonetos em clave de Fá, reflectindo os seus anseios, angústias, emoções, desejos, votos...
E essa ave sem asas, ia deixando cair as suas penas alvas a cada pincelada de tinta azul-céu, azul-mar, azul-infinito.
Cada gota uma lágrima e um sorriso porque essa ave, não era um pássaro comum...
toda ela era universo, vôo, anseio, liberdade e Amor.

SLL
(baseado num poema de P. Vicenzotti)

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Confissões de um Cão Vadio (1994)


Sim, sou eu... 
sou eu que percorro de noite os caminhos da vossa terra, ladrando e uivando a incomodar o vosso descanso.

Sou eu o culpado dos caixotes do lixo virados e revolvidos... sou eu que vos persigo à saída dos supermercados e vos observo com olhos que imploram, os sacos cheios de compras e de comida...

Sou eu o culpado da porcaria que pisam quando passam na rua
e do espectáculo degradante que vêem quando nos observam deitados a monte debaixo de algum carro ou na berma da estrada à chuva, ou debaixo de um sol escaldante de Verão.

.... sim, sim! sou vadio, mendigo, sujo e desgraçado....

... mas sou assim porque vocês, os "HOMENS", me reduziram a esta miserável existência!!!

Abandonaram-me na estrada, a mim e a tantos outros... feridos, espancados, desprezados
para sermos apanhados e MORTOS!

Aqueles que de entre nós, têm sorte, encontram alguém que os leva consigo, os trata, alimenta e lhes dá um caixote para dormir...
... ah, esses! Esses já não vos incomodam!

Mas NÓS, que chegámos a este ponto de "existência", sem amor nem abrigo
continuaremos pelas ruas a virar caixotes do lixo para encontrar algo que sirva para enganar a fome...
Seremos novamente desprezados, espancados, apanhados e MORTOS...

mas aaahh!!! enquanto nos restar UM sopro de vida
vamos uivar o nosso sofrimento e ladrar em protesto contra o "Homem" que nos MUTILA e ABANDONA!!!!!!!

SLL
Nov 1994

quinta-feira, 26 de junho de 2014

São Pérolas, Meu Senhor.



São pérolas, meu senhor.

Esta frase bem conhecida refere-se a rosas, no caso de Isabel de Aragão... neste, refere-se a pérolas (curioso, a minha avó costumava dizer que "pérolas são lágrimas", lá teria a sua razão)....

Todos sabemos como se produzem, inclusivé como se provoca a formação de uma destas maravilhas. O que podemos não saber é que nem todas as ostras, por mais idênticas que aparentem ser, conseguem produzir pérolas.
Apenas o fazem as chamadas perlíferas, ou seja, algumas são especiais.

As pérolas são um mecanismo de defesa da ostra, contra algo que a magoa, incomoda, um "intruso", desde um grão de areia até um parasita, pedaços de coral ou rocha, que penetrem entre a concha e o manto.
Quando esse corpo estranho a invade, o manto do animal envolve-o em uma camada de células epidérmicas, que produzem sobre ela várias camadas de nácar ou madrepérola, um processo demorado, já que leva em média 3 anos para que uma ostra se possa sentir "protegida" de invasores.
Geralmente é retirada com 12 mm de diâmetro, mas podem atingir até cerca de 3 cm.

Algumas pessoas são como ostras... mais ou menos fechadas, decerto não invulneráveis. A maioria não é capaz de produzir pérolas, mas nenhuma que as possa produzir o fará sem dor, porque esse processo é uma defesa. É isso que as torna especiais.
Envolvem a mágoa em nácar e transmutam-na em algo precioso, que depois oferecem: a sua pérola.
Saibamos reconhecer as pérolas do nosso caminho, as de 3 cm, são raras e as outras, são fáceis de perder de vista.... e recordemo-nos que, como li algures "ostra feliz não produz pérola"....
SLL

sábado, 21 de junho de 2014

Eterno



Quero que gostes de Pina Baush, ou até já nem gostes,
queiras mais queiras diferente;
que gostes da cor e do risco forte de Miró
e do canto desiludido e fundo de Ferré;
quero que aprecies os cheiros sensíveis da eternidade
do grande bruto grande e do pequeno sensível e pequeno;
quero que mores nas páginas da Photo e que, sendo um modelo de virtudes
representes a cortesã mais lassa para mim;
quero-te com mãos de pedra e de veludo;
quero que ames o chique e a Serra d'Aire
- mais o safari que a recepção,
quero que mores e sofras nas páginas de Guido Crepax
e que te irrites com a perfeição absoluta de um retrato de Medina
quero que, se possível vivas dentro do anúncio do Martini
felina e ondulante numa ilha tropical
quero que sejas capaz de divertir-te, de soltar uma ampla gargalhada,
ante o espectáculo ridículo e obsceno de um homem de Quinhentos
a quem atribuíssem um número de contribuinte
quero que ames o longe e a miragem, como o Régio
e que sejas louca e sábia
que tenhas lábios e mordas,
língua e sorvas, sexo e sexes, salto e salto, riso e rias,
sorvedouro inteiro de vida, arrepio de garça, sacudir de cisne,
passos de corsa, graça de arlequim,
pose de Diva, corpo de areia e luz.
E quero que me dês, me dês muito, que me dês tudo,
e que abras as janelas de par em par ao Tejo
e fecundes um poema em cada gesto
e voes como a gaivota em cada espreguiçar
e partas para a Índia em cada cacilheiro
e que sejas, mores, vivas e creias
longe
muito longe daqui...

quero que sejas profundamente minha e ritual
obsessiva e lúcida, doente, febril, tremendo de desejo
disposta a tudo e a mais e a muito mais,
boca de Mundo, seios de Mármore, corpo de Alfazema
e sobretudo Mulher e sobretudo amante.
Se existires assim, nua, inteira, absoluta e pessoal
responde-me
que eu fico aqui, eterno, à tua espera.

Pedro Barroso

Paz



Por vezes a distância é necessária
para que tudo se torne claro.
Os fardos que nos pesaram 
deixam de ter sentido 
e o caminho é cristalino, 
basta começar de novo. 
Passo a passo,
dia a dia.

Vem sentar-te comigo,
sem que uma só palavra seja trocada
ou um só gesto seja esboçado...

Olhos nos olhos apenas.

Clareza absoluta,
luz de lua,
estrelas no firmamento,
música que toca no leve bulir das folhas...

Uma paz absoluta domina a minha alma.
A viagem começou....

SLL

quinta-feira, 19 de junho de 2014

A Imagem que Conduz ao Corpo



A mão dispersa na folhagem
a mão perdida a boca já exausta
onde tocar a pedra, as sílabas da pedra?
Aqui uma sombra branca Não inicial
Este lugar inabitável não é o princípio nem o centro
Como alcançar o coração de alguma coisa
a substância o centro ou a terra do poema

Começo sem amor sempre demasiado cedo
Interrogo não um insecto nem uma pedra
Percorro um muro com um olhar cego
Estou tão longe da realidade como do poema
A distância é infinita Tu não estás aqui
E não sou eu e sou eu ainda Tudo é de menos
e de mais

A mão toca não um silêncio não as sílabas
de um corpo longo e fresco mas uma corrente
congelada uma parede árida calcinada

Como encontrar a imagem que conduz ao corpo
como percorrer as veias vivas do silêncio
e fazer-te estremecer os leves lábios?
Como estar sendo ser estando
junto à boca unida e firme
e trémula
do poema?

Se soubesse desenhar as linhas negras
que abrem a brancura completa
do corpo
que deixam entrever a espuma nos cabelos
no sulco que divide as amorosas pernas
onde o murmúrio permanece do sangue sob as mãos
escreveria as linhas intensas do poema?

As mãos completar-se-iam no perfil ardente
O presente seria o instante do abrigo imenso
A luz dos teus olhos banharia as palavras
e tu serias o corpo luminoso
com os membros libertos sob a água viva

Escrever seria amar-te? Seria
interromper este deserto limpar a ferida aberta?
Seria entrar no interior do centro fresco
percorrer essa praia que ninguém ainda pisou
beijar os teus sinais e a sede límpida
que desenha toda a chama alta do teu corpo?

Escrever seria estar contigo no interior da chama
beber o orvalho das palavras nos teus lábios?
No interior de um barco de folhagem verde
animado de um braço intensamente vivo
ligando-me cada vez mais à linguagem do teu corpo?

Estou já tão perto de ti que uma sombra soluça
Estou tão perto de ti que o poema principia
Toco as sílabas da pedra as sílabas do corpo
A minha língua arde sobre o teu ombro frágil
O perdão do teu olhar é o amor da luz.

António Ramos Rosa

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Ao Som de Rita Lee



Apetecia-me passar o dia
a fazer coisas tecnicamente pouco recomendáveis:
gastar uma quantia considerável em livros
gastar uma quantia ainda mais considerável num viagem, de repente.
gastar uma quantia escandalosa numa casa com quintal claraboia,
uma rede numa árvore
um cão ainda novinho
e um canteirinho onde pudesse ter plantados coentros e agriões.

(e para banda sonora deste devaneio
escolho Rita Lee).

Laura Avelar Ferreira

Imagem de Rinko Kawauchi

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Tempestade



Passei demasiado tempo a chorar o passado e as lágrimas ainda hoje fluem.
O mundo, para mim, nunca foi um porto seguro, antes um lugar 
onde o fogo queima e nunca morre, 
e onde quase tudo serve para ferir e destruir os olhos e as almas inocentes.

Anseio a segurança que me permita ser livre... 
e quando os devaneios aéreos dos meus pensamentos esperançosos 
se afastarem do palco principal dos meus desejos, 
talvez acabem me afogando em ondas alterosas de desespero ou angústia.

Ou talvez também este não passe de um devaneio inconsequente...

Só queria poder abraçar-te até ao sol nascer e poder ver o futuro neste céu estrelado,
mas creio que as estrelas brilham mais que o meu futuro.

... Tenho uma moldura vazia na parede do meu quarto, gostava de colocar-te nela, mas limitei-me a escrever possíveis caminhos a seguir, na minha parede de grafittis.

E neles medito agora, profundamente.

As palavras brilham a néon na moldura escurecida
tão poderosas que terei de abreviá-las para reduzir o seu impacto.
Apenas o teu rosto se destaca, 
tudo o mais é uma insignificância.
E isso, até a mim surpreende...

SLL

Poema do Silêncio



Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
- Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.

José Régio, in 'As Encruzilhadas de Deus'

Soltas



A brisa ergue um espírito desgastado
de anos cerrado num armário antigo.

Ondas que quebram nas rochas, no termo daquela floresta,
cerrando um destino composto de vários ciclos de vida e de morte.

Este lugar parece familiar, 
como se saísse de um passado longínquo em que aqui andei, não sei bem como...

sem medo. apenas uma calma transparente...
uma lucidez estranha que me faz ver as cores de forma diferente

e até a melodia do vento me soa distinta e meiga.

A terra orvalhada encharca os pés descalços, recriando pegadas que já aqui estiveram, mas quando?

Afinal, o futuro escreve-se com o sangue do passado, ainda que em forma de lágrimas...
e os sorrisos parecem também eles recorrentes.

Que estranho saber e não saber, sentir mas sem sentir, reconhecer sem compreender...

sei lá que fados aqui me trouxeram, ou que brisas me tocaram, sobre que terra orvalhada caminhei.

E enquanto adormeço ao som das ondas que batem nos rochedos, o tempo passa por mim como se de vento se tratasse....

SLL

Sabedoria



Desde que tudo me cansa,
Comecei eu a viver.
Comecei a viver sem esperança...
E venha a morte quando
Deus quiser.

Dantes, ou muito ou pouco,
Sempre esperara:
Às vezes, tanto, que o meu sonho louco
Voava das estrelas à mais rara;
Outras, tão pouco,
Que ninguém mais com tal se conformara.

Hoje, é que nada espero.
Para quê, esperar?
Sei que já nada é meu senão se o não tiver;
Se quero, é só enquanto apenas quero;
Só de longe, e secreto, é que inda posso amar. . .
E venha a morte quando Deus quiser.

Mas, com isto, que têm as estrelas?
Continuam brilhando, altas e belas.

José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'

Procuro-te



Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre — procuro-te.

Eugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas"

Fantasma Maligno



Vai, parte, que ninguém te persegue,

Vai ao encontro dos teus fantasmas e das tuas próprias inseguranças que te fazem inventar, mentir, enganar e ainda por cima sentir ofendido pelas consequências dos teus próprios actos.

Vai, parte, que ninguém te persegue.

Ninguém manda ninguém porque a liberdade de uns acaba quando começa a dos outros, e a tua acabou quando resolves interferir naquilo que não te pertence nem compete.

Vai, parte, que ninguém te persegue.

Apenas a tua própria mente deturpada pelos teus sentimentos (terás algo que se pareça com isso?) e pensamentos negros e destrutivos que te prejudicam apenas a ti.

Vai, parte que ninguém te persegue,
recorda sobretudo que todo o mal que fizeres, a ti retornará, cedo ou tarde...

É isto e apenas isto que tenho para te dizer, espírito de mundos tenebrosos.

Parte e encontra a tua paz noutras paragens.

SLL